quinta-feira, 30 de abril de 2009

CATARSE

Há fases na vida que nossa bagagem emocional fica insuportável e nos deixa à beira de um ataque ou estresse realmente grande. Não conseguimos enfrentar o dia a dia como antes e a frustração ajuda a puxar a moral para baixo.

Ficamos mais sensíveis e vulneráveis, mas “temos” de seguir em frente puxando nossa “carroça” cada vez mais pesada. Nossa visão diminui e não conseguimos enxergar aquela famosa luzinha no fim do túnel, aliás, que túnel?

No dia anterior conversara muito com um amigo que, depois de longa vida profissional, prestes a se aposentar, havia retornado aos estudos e escolhera psicologia, como sua mulher, que já era consagrada profissional. Ouvi-o falar de seus planos para o futuro muito animado e feliz. Casamento sólido. Filhos criados. Poderia agora realizar seus sonhos.

Como ele estava prestando serviços de consultoria contábil para minha empresa, combinamos que nos encontraríamos na manhã seguinte às oito horas para continuarmos, pois já passava das dezessete horas e ele tinha outro compromisso. Assim nos despedimos.

Acordei com o barulho do telefone. O relógio marcava seis horas e trinta minutos e já era mesmo hora de levantar.

-Alô.

-Suzely, disse-me a pessoa do outro lado da linha, percebi que chorava pelo tom da voz e suspiros, nosso amigo morreu, continuou.

-Como? Perguntei, também começando a chorar, o que era fácil para mim na época.

-Um enfarte fulminante nesta madrugada. O corpo já seguiu para o Parque da Colina.

-Vou me aprontar e sigo para lá. Obrigada por avisar.

Chorando, segui feito um robô a rotina de quem se levanta: banheiro, banho, higiene bucal, secador e escova nos cabelos. Closet: escolha mecânica do que vestir e calçar. Pronto. Agora a bolsa e as chaves do carro.

Sem conseguir conter as lágrimas, lembrava-me de seus sonhos! Como pode acontecer esta interrupção repentina na vida de uma pessoa com tantas coisas ainda por realizar? Ele estava feliz. Talvez tenha sido uma boa hora e, sem sofrimento! Bem, não podemos garantir que não houve dor, dizem que a dor do enfarte é muito forte. Insuportável. Coitado. Que injustiça. Ele merecia viver e concluir seus planos.

Com os pensamentos embaralhados e sem sequencia lógica, já estava no carro, sem mesmo tomar café, sem falar com meus filhos, que deixei aos cuidados da babá. Dirigi-me para o cemitério.

Estacionei o carro e segui para o velório onde estava escrito o nome do meu velho amigo. Conheci-o quando acabara de entrar para a Escola de Engenharia e trabalhava em uma empresa onde ele prestava serviços. Ensinou-me muitas coisas.

Meu Deus! É inacreditável, pensei ao olhar para o corpo estendido no caixão, cercado de flores. Só dava para ver as mãos e a cabeça. Era ele mesmo. Parecia dormir.

Chorando muito coloquei minhas mãos sobre as dele e senti o frio cadavérico. Chorei mais alto e compulsivamente, tal como aquelas velhas “carpideiras” vestidas de preto nos filmes antigos. Não conseguia me controlar e soluçava ainda mais alto, atraindo olhares.

A família do morto veio me consolar.

-Não sabia que você gostava tanto assim dele, disse-me a viúva ao lado dos filhos.

Alguém me ofereceu um pouco de água, que recusei, mas um dos filhos me levou à cantina para tomar um café. Mesmo assim não conseguia interromper meu choro.

Antes mesmo de terminar o funeral, voltei para o carro e iniciei o retorno para casa. Não iria para o trabalho, decidira.

Parei de chorar, enxuguei o rosto. Sentia-me aliviada. De repente veio-me a imagem do velório, e do meu “show”. Comecei a rir. A família que eu deveria dar minhas condolências me consolara! Pensei sobre o que as pessoas poderiam ter imaginado ao presenciar a cena: “ah, esta aí com certeza deve ter sido caso dele, bem mais jovem, coitada da viúva”, “aposto que era amante dele” ou “coitada, será que é parente da família?” e talvez muitos outros prováveis comentários hilários que agora me faziam rir muito. Nossa imaginação é fantástica!

-Que horror, Suzely, disse a mim mesma, seu amigo debaixo da terra e você aqui rindo feito louca. Não conseguia mais ficar triste. Havia chorado todas as lágrimas por muitos motivos junto com a morte dele e desabafado tudo o que me afogava e me pesava. Estava mesmo sentindo a leveza de quem “lavou” a alma, renovada. Uma verdadeira e autêntica “catarse”.

Liguei o rádio e cantarolei junto com Irene Cara, “What a Feeling”, incrível, não?


PS: “Catarse é uma poderosa experiência que pode ser entendida psicologicamente como alívio quando partes da mente e da alma são unidas.Adam Blatner,MD

Nenhum comentário: