Em meados da década de 80 o Brasil estava em lua de mel com a Nova República e Brasília era toda festiva. Na mesma época sentia-me bastante frustrada e sofria muito com o fim de meu casamento que, apesar de ter durado apenas sete anos, me deixara com meus lindos e queridos filhos de um, três e cinco anos de idade sem qualquer pensão ou ajuda financeira. Frente a uma nova situação e estilo de vida, procurei manter um certo “status” social e, sempre que podia, aceitava alguns dos convites que continuei a receber.
A ginástica financeira a que me submetia era digna de um malabarista, pois equilibrar as despesas com o curto salário que recebia como gerente de Auditoria de Sistemas da Prodabel e continuar com uma vida social ativa era quase a mesma coisa que enfrentar um baile de Cinderela.
O convite para um jantar em Brasília, onde o então Ministro da Casa Civil José Hugo Castelo Branco, seria homenageado na residência de um famoso colunista social com a presença de várias autoridades inclusive do presidente José Sarney me animou, pois seria uma boa oportunidade de reencontrar alguns de meus prezados amigos da Capital.
O jantar foi maravilhoso. O casal anfitrião sempre foi e continua sendo brilhante e perfeito na arte de receber. Quando estamos sofrendo qualquer tipo de perda é muito difícil deixar tudo de lado e curtir o momento. Assim me sentia e afastei-me um pouco de todos isolando-me num canto da casa. Não por muito tempo, pois uma jornalista, casada com um diplomata e uma promotora de eventos muito conhecidas sentaram-se ao meu lado e começamos a conversar. Logo as duas perceberam a minha tristeza e o assunto girou, por alguns minutos, sobre a minha separação.
- Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima, disse-me a promotora de eventos. A vida é curta e homem algum neste mundo merece nosso sacrifício.
- Você é nova e bonita. Logo vai encontrar um bom partido, comentou a jornalista, e continuou - mas se ficar amuada pelos cantos, vai espantar todo mundo, ninguém gosta de gente triste.
Nisto estavam corretíssimas.
- Até quando você fica em Brasília?
- Retorno amanhã, sábado, ou melhor, hoje, no vôo das 11h45min. Vim só para o jantar.
- Nada disso, comentou a jornalista, fique até domingo e nós a levaremos numa festa muito badalada e animada em casa de uns amigos. Você vai se divertir e adorar.
- Não sei, não ando muito animada para festas. Gostei muito de ter vindo a este jantar, mas se não fossem vocês, eu já teria retornado ao hotel.
- Em que hotel você está?
- No Carlton.
- Então só precisa mudar seu vôo, nos finais de semana os hotéis estão sempre vazios.
Apesar de minha argumentação e desculpas para recusar o convite, as duas acabaram por me convencer. Estaria sozinha mesmo, uma vez que meus filhos estavam com o pai naquele fim de semana. Fiquei, passei o dia todo no quarto, ou melhor, o resto do dia, pois elas me deixaram no hotel por volta das 4 horas da manhã. Viriam me buscar às 21h00min.
Sou pontual e minutos antes da hora combinada já estava prontinha esperando por minhas novas amigas. Ás 21h15min. resolvi ligar para uma delas. Ainda estava em casa e disse que me pegariam em 15 minutos. Chegaram meia hora depois. Alegres e muito animadas, falando ao mesmo tempo, conseguiram elevar meu astral.
O número de carros estacionados e o barulho de vozes e risadas misturados com o som musical eram uma amostra de que a festa realmente estava animadíssima. Billie Jean de Michael Jackson. Saímos do carro dançando, contagiadas pelo ritmo.
Sem me apresentar aos anfitriões as duas locomotivas saíram cumprimentando as pessoas e eu atrás. Serviram-se de champanhe enquanto eu procurava por um refrigerante, os remédios para ansiedade e depressão me impediam de ingerir qualquer bebida alcoólica. Ao alcançarmos o jardim, decorado com muito bom gosto, onde mesas redondas já estavam ocupadas por pessoas que conversavam alegremente, paramos em uma delas com três lugares disponíveis. Apresentaram-me a um casal, puxando uma cadeira para que eu me assentasse ao lado deles e iniciaram uma conversa com um jovem e elegante homem que me cumprimentou e, entre as duas, de braços enlaçados, seguiram os três para a pista de dança, dentro da casa. Perdi-os de vista.
O Buffet foi aberto e nos servimos. Passei o tempo conversando com os companheiros de mesa, principalmente com o casal que me fora apresentado. Após a sobremesa, vi que alguns convidados já se retiravam. Preocupada, olhava para os lados na tentativa de localizar minhas amigas. Nada. Levantei-me para ir ao banheiro e as procurei pela casa toda. Ao retornar, perguntei se alguém havia as havia visto.
- Elas saíram há muito tempo com o Renato.
O conjunto musical tocava e cantava Marvin, a música preferida de meu filho com quase quatro anos de idade. Senti saudades e vontade de estar com meus filhos.
Embora desapontada, novamente pedi licença e, à procura de um telefone para chamar um táxi, o garçom me levou até o escritório onde havia um. Ao pegar o aparelho, minha intenção era ligar para o 102 e solicitar o número de uma empresa de táxi. Recoloquei o telefone no gancho.
- Como iria solicitar um táxi se não tinha a menor noção de onde estava? Perguntei-me. Como vou solicitar o endereço da casa e para quem? Se o fizer acabarei por entregar as duas maluquinhas e a mim mesma como “penetra”. Apavorei! Retornei ao lugar onde passara o tempo todo e o casal que me dera atenção já se despedia. Percebeu meu nervosismo e me ofereceu carona.
Respirei aliviada e imediatamente aceitei. No caminho para o hotel perguntou se eu queria encontrar minhas amigas que com certeza estariam em uma boate com o tal Renato.
- Elas sempre fazem isto. Saem conosco e nos abandonam. Principalmente se o Renato aparece.
- Agradeci a oferta e preferi que me deixassem no hotel.
Não dormi direito inconformada com o comportamento das duas. Não era apenas falta de educação o que me fizeram, mas loucura! Como alguém que pertencia ao mundo diplomático e outra que organizava eventos poderiam ter aquele comportamento? Até hoje procuro a resposta! Nunca mais as encontrei.
No vôo para BH, na segunda-feira, a comissária de bordo ofereceu-me um jornal de Brasília. A coluna social comentava sobre as festas do final de semana. Fiquei imaginando em qual delas eu havia estado! Não descobri e creio que esta dúvida me acompanhará até o final de meus dias!